www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
L. Käfer; Mário Klassmann; Gerson R. Neumann; Karen Pupp Spinassé
Revista Contingentia, Vol. 2, novembro 2007, 73–87 73
ISSN 1980-7589
Fundamentos para uma escrita do
Hunsrückisch falado no Brasil
1
Cléo V. Altenhofen/Jaqueline Frey/Maria Lidiani Käfer/Mário S.
Klassmann/Gerson R. Neumann/Karen Pupp Spinassé
This paper discusses a foundation for writing Hunsrückisch as a German
immigrant language in contact with Brazilian Portuguese. This foundation
brings together the main conclusions obtained by the Group for the Studies
of Hunsrückisch Writing (Grupo de Estudos da Escrita do Hunsrückisch –
ESCRITHU). This group was formed at the Language Institute at the
Federal University of Rio Grande do Sul with the goal of proposing not
only a system of orthographic norms for a language that exists mostly just
in oral forms, but also to encourage research on and linguistic education for
speakers of this immigrant language. An already extant literature in
Hunsrückisch includes journal and magazine texts such as Sankt
Paulusblatt or the Brummbär-Kalendar, published between 1931 and 1935,
as well as texts by authors such as Rambo (2002 [1937-1961]), Gross
(2001), and Rottmann (1889 [1840]). From these texts various writing
formats, guidelines, and goals for an orthographic norm are analyzed, be
they for the written expression of the speakers or for useful instruments in
the transliteration of ethnotexts within the ALMA-H project (Linguistic-
Contactual Atlas of the German Minorities in the La Plata Basin:
Hunsrückisch), with which ESCRITHU collaborates.
Key words: immigrant minority language; Hunsrückisch; orthography; written
language; German teaching.
1 Introdução
Com as discussões em torno da criação, no âmbito do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
2
de um Livro das Línguas Brasileiras, tem crescido o interesse na organização social das cerca de 180 línguas indígenas e aproximadamente 30 línguas de imigração faladas ao lado do português, no Brasil. Como uma dessas línguas do tipo alóctone ou de imigração3 mais em evidência, ainda recaem sobre o Hunsrückisch uma série de tarefas. Uma dessas tarefas advém justamente da sua condição de variedade dialetal essencialmente falada, que não dispõe de uma prática e registro escrito sistematizados, função que até hoje tem sido coberta pelas normas cultas do Hochdeutsch e do português. Entende-se, assim, por que o falante de Hunsrückisch,
apesar de ser esta sua língua materna, sempre cogitou exclusivamente do português ou do
alemão-padrão para a função da escrita, a não ser em situações em que comumente aflora
o desejo de expressão da identidade e da cultura local, como nos texto humorísticos. Um
exemplo que ilustra a primazia da língua-padrão para a função escrita são os
Wandschoner (panos para proteger parede), dos quais não temos conhecimento de
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras, Avenida Bento Gonçalves, 9500
Caixa Postal 15.002, 91540-000 Porto Alegre, RS – Brasil. Telefone: (51) 3308-6790 Fax: (51)
3308-7303. E-mail: cvalten@pro.via-rs.com.br www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria L. Käfer; Mário Klassmann; Gerson R. Neumann; Karen Pupp Spinassé
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exemplar que apresente uma frase ou ditado no dialeto local, embora muitas vezes com
algum traço de coloquialidade.
Neste sentido, pode-se admitir que, ao longo da história do contato alemão-português,
tenha ocorrido uma espécie de diglossia, como os lingüistas chamam o uso de duas
variedades (alta e baixa) para funções sociais distintas. Isso significa, em outras palavras,
que se falava Hunsrückisch, porém se escrevia Hochdeutsch – a Schriftsprache, ou ainda
popularmente o “alemão gramatical” –, isto é, uma variedade aprendida na escola, com o
auxílio de uma gramática que sistematiza e normatiza essa escrita. Com a política de
nacionalização do Estado Novo (1937-1945) e a conseqüente repressão e retrocesso do
ensino de alemão na escola básica e fundamental, a função de língua escrita passou a ser
assumida pelo português.
Apesar dessa tendência geral, é possível identificar um conjunto de textos em
Hunsrückisch que permitem ao menos falar de uma “pequena” tradição escrita nessa
variedade. É verdade que o teor desses textos atende a um apelo fortemente humorístico
sobre um fundo metarreferencial que busca documentar e cultivar um modo de expressão
familiar e de cunho identitário. Poderíamos falar por isso da existência de etnotextos
escritos e de uma visão de mundo que reflete a cultura do grupo étnico em questão. O
que, no entanto, falta que impeça e justifique uma produção escrita mais significativa e
constante, onde antes só havia a oralidade? Constitui uma premissa deste estudo a
convicção de que cabe atribuir ao dialeto, antes de tudo, o mesmo status de língua a que
têm direito o alemão-padrão e o português enquanto línguas históricas com existência
oral e escrita. Isso implica naturalmente a criação de um instrumento inicial de
sistematização dessa escrita, como ponto de partida.
A idéia de fixar, ou melhor, normatizar uma escrita para o Hunsrückisch tem,
portanto, fundamento no próprio papel que a escrita exerce enquanto forma de expressão
e segue, como tal, princípios próprios observáveis, por exemplo, na história de todas as
grandes línguas internacionais. Todas essas línguas tiveram, em seus diversos estágios,
especialmente os iniciais, variações muito grandes da grafia de uma mesma palavra ou
lexema e, só com a prática e o trabalho de sitematização de estudiosos, foram
estabelecendo sua norma escrita como a conhecemos hoje.
O presente artigo reproduz, de certa forma, esse caminho clássico. Pretende-se, com a
consideração da “pequena” tradição, a que já se aludiu, dos estudos existentes, bem como
de uma série de princípios previamente fixados, propor um conjunto de normas que
oriente uma escrita sistematizada do Hunsrückisch. Para tanto, criou-se no Instituto de
Letras da UFRGS o Grupo de Estudos da Escrita do Hunsrückisch (ESCRITHU) que
tem por objetivo não apenas criar esse sistema de normas, mas também refletir e
fomentar o estudo e educação lingüísticas dessa variedade que, segundo estimativas de
pesquisas, conta com cerca de 500.000 falantes só no Rio Grande do Sul.
4
O grupo
ESCRITHU, constituído em sua maioria por falantes de Hunsrückisch e pesquisadores
dessa variedade de contato com o português, insere-se no projeto ALMA-H (Atlas
Lingüístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata: Hunsrückisch), como
sub-projeto deste (v. ALTENHOFEN 2004).
2 Princípios de ortografia: por onde orientar a escrita do
Hunsrückisch?
Antes de fixar ou optar por qualquer proposta de registro escrito de uma língua como
o Hunsrückisch, é preciso perguntar sobre os objetivos a que se destina tal escrita. Neste
particular, podemos identificar diferentes pontos de vista, que refletem uma série de
dilemas, entre os quais se pode destacar:
1.°) o dilema entre “o ideal fonográfico (uma escrita que refletisse regularmente uma
forma idealizada de pronunciar) e o princípio ideográfico (que opta por manter a
etimologia, a notação das palavras em sua língua original)” (MORAIS 2003, p. 11). www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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2.°) o dilema entre considerar a vinculação histórica com a matriz lingüística original e o
desejo de se afastar e diferenciar dessa origem, em virtude de uma identidade nova.
3.°) finalidades de leitura (receptiva) e de produçâo escrita (autora).
4.°) a finalidade estritamente comunicativa e prática versus o propósito didático-
pedagógico, com o intuito de desenvolver a reflexão e educação sobre a língua;
5.°) definição de um público-alvo fechado e restrito aos usuários da língua grafada
membros da comunidade lingüística ou público-alvo aberto a não-falantes ou membros
de outras comunidades lingüísticas.
O primeiro aspecto levanta, segundo Morais (2003), questões que vão muito além da
mera codificação de relações som-grafema. Se simplesmente seguíssemos a tese da
“escrita fonética” (=escrever como se pronuncia), que seus defensores acreditam ser mais
simples, teríamos ao final mais de uma língua escrita, pois é diferente a natureza
interpretativa do som pelos diferentes falantes, assim como também variam as pronúncias
na produçâo oral dos falantes. Conforme enfatiza Morais (2003, p. 13), “a perfeiçâo
alfabética é uma ilusão”, seja qual caminho se adote, e “sempre as soluções encontradas
terão sido opções, soluções arbitradas que se transformaram em convenção, lei”.
Neste sentido, o que o grupo ESCRITHU está propondo vai muito no sentido de fixar
“normas ortográficas” por onde se possa sistematizar a escrita do Hunsrückisch.
Evidentemente, essas normas seguem determinados objetivos e opções mais imediatos.
Mas será a recepção pelos usuários e a prática de escrita e leitura pelos falantes e demais
interessados que darão legitimidade a essas normas de grafia, sugerindo inclusive as
alterações que couberem. Por esta razão, na tentativa de harmonizar os diferentes opostos
dos dilemas apontados acima, fixamos os seguintes critérios e objetivos:
a) Entende-se a escrita, acima de tudo, como convenção e regra sistemática que, como
qualquer sistema novo que se fixe, por mais simples que seja, precisa ser aprendida
(neste sentido, importa o resultado que a leitura de um segmento produz oralmente;
p.ex. se fixarmos que Johr ‘ano’ se lê como Rohr ‘cano’, a representação grafemática
do segmento é lida como tal, e não de outra forma, seguindo outro paradigma).
b) A proposta não se direciona apenas a falantes de Hunsrückisch, mas pretende ser
compreensível também a membros falantes de outras variedades do alemão (uma
escrita puramente fonética baseada no português excluiria o público não-falante
nativo e aumentaria o vácuo entre o Hunsrückisch e o Hochdeutsch, não permitindo
por exemplo que um professor de alemão fizesse comparações relevantes, para fins
didáticos).
c) Distingue-se entre as habilidades de escrita e de leitura de textos produzidos de acordo
com as normas fixadas (a primeira certamente exige um grau de letramento e portanto
de familiaridade com o alemão escrito maior).
d) Vale ressaltar que o Hunsrückisch é entendido como “língua” distinta do Hochdeutsch
(alemão-padrão), embora se vincule a ele historicamente e por semelhança lingüística.
Quando se adota no Hunsrückisch traços da escrita semelhantes à do Hochdeutsch,
não se está de modo algum adequando ou adaptando a forma, mas sim apenas
adotando uma convenção que atesta uma coincidência de formas independentes,
apesar da semelhança.
e) Não se considera que o pré-conhecimento de elementos gráficos do Hochdeutsch
esteja totalmente ausente. Pelo contrário, partimos do princípio de que os falantes de
Hunsrückisch possuem, naturalmente em grau variado, alguma noção prévia de
convenções da escrita do alemão, desde sobrenomes (Schneider, Müller, Neumann, www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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Käfer etc.) ou inscrições de topônimos ou festas observáveis no meio social, até o
acesso a publicações locais em alemão (Familien-Kalender, Sankt-Paulus-Blatt etc.).
f) A proposta tem por isso objetivo didático, no sentido de que visa não somente a
instrumentalizar o falante e a nós próprios para o registro do Hunsrückisch, como
também fomentar a educação lingüística dos falantes sobre o papel e funcionamento
de sua língua materna e de uma língua de modo geral.
g) Reconhecem-se pelo menos três grandes variantes do Hunsrückisch, partindo da
tipologia de Altenhofen (1996, mapa 6, v. anexo), a saber:
1. Hunsrückisch com traços [+ moselanos] (o tipo com maior número de traços dialetais
que o distanciam do Hochdeutsch): p.ex. falantes de dat/wat (predomina na maioria
dos autores, como RAMBO [1937-1961] e BRUMMBÄR-KALENDER [1931-
1935]);
2. Hunsrückisch com traços [+ renanos] (segundo o estudo de Altenhofen (1996), o tipo
mais falado): p.ex. falantes de das/was (mais comum em SPOHR [vários] e em
GROSS 2001);
3. Hunsrückisch atenuado, com traços mais próximos do padrão: p.ex. falantes de /ai/ em
lugar de /e:/, como em Bein, (mais comum em FLACH 2004).
O ESCRITHU respeita cada uma dessas variantes como legítimas e toma como regra
que cada autor utilize a sua variante materna, porém com as mesmas normas de escrita de
cada som específico.
h) A proposta destina-se inicialmente às finalidades internas do Grupo, mas, conforme já se
disse, será sua prática e utilização externa, através de uma série de testes e atividades
que, eventualmente, podem ser realizadas (p.ex. workshops, publicação de textos
etc.), que lhe conferirá a eficácia desejada.
i) É uma das intenções do ESCRITHU elaborar posteriormente um Dicionário trilíngüe
Hunsrückisch-Hochdeutsch-Brasilianisch (compreende-se o dicionário igualmente
como instrumento de auxílio para consulta de dúvidas sobre grafia, como comumente
fazemos até mesmo no português e no alemão-padrão).
j) A escrita proposta servirá de base para a transliteração de dados, sobretudo etnotextos,
coletados pelo ALMA-H na rede de pontos do projeto (ao todo, 38).
k) A presente proposta de escrita considera a tradição pré-existente e a vinculação
histórica e lingüística ao alemão, de onde proveio (critério genético). Do ponto de
vista da gestão da língua pela comunidade de fala, ao contrário, reconhece-se o
status de brasilidade da língua de imigração Hunsrickisch, com língua brasileira que
adquiriu sua autonomia e traços particulares no novo meio.
Segue a análise e discussão de alguns problemas e opções envolvendo diferentes
aspectos passíveis de sistematização no registro escrito de sons do vocalismo e
consonantismo, bem como de aspectos tipográficos e formais. Casos mais problemáticos
e polêmicos, para os quais não existe ainda consenso, serão resolvidos através da prática
de uso das normas ortográficas pelos diferentes usuários.
2 Aspectos tipográficos
a) Substantivos com inicial maiúscula ou minúscula
Uma das primeiras decisões que cabe tomar envolve o registro da inicial dos
substantivos. Poderia alguém alegar que o uso geral de inicial minúscula, como no
português, facilitaria a escrita. Outros, porém, como por exemplo aprendizes de alemão
têm apontado a vantagem de, na leitura, reconhecer e identificar mais facilmente os
componentes da frase, na medida em que o substantivo aparece discriminado pela inicial www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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maiúscula. Não nos parece problemático optar por esta última forma, principalmente se
pensarmos no caráter pedagógico que queremos imprimir ao trabalho com a escrita do
Hunsrückisch. Além disso, tal decisão é respaldada quase unanimemente na tradição
(vejam-se RAMBO [1937-1961], FLACH 2004, GROSS 2001, MÜLLER 1996,
BRUMMBÄR-KALENDER [1931-1935], COLLISCHONN [vários], dentre outros).
b) Palavras compostas
O mesmo argumento da compreensibilidade do escrito vale para as palavras
compostas que, a nosso ver, deveriam respeitar a forma aglutinada, por constituírem
unidades semânticas próprias (p.ex. Reenscherrem ‘guarda-chuva’, e não Reen scherrem,
Tischtuch ‘toalha de mesa’, e não Tisch tuch). A forma separada pode dar margem a
dúvidas e ambigüidades, como p.ex. em spritz bier ‘Spritzbier, a cerveja caseira’.
c) Empréstimos do português: empréstimos integrados ou estrangeirismos
No caso dos empréstimos do português, maciçamente encontrados no Hunsrückisch,
colocam-se dificuldades em exemplos, onde a ortografia do português difere
substancialmente da do sistema de referência do alemão e, por conhecimento do
português, tendêssemos à ortografia da língua de origem. Um exemplo que ilustra esse
impasse é o lusismo calçada, que no Hunsrückisch pode aparecer como estrangeirismo
(quando mantém a mesma forma da língua-fonte) – neste caso, die Calçada – ou como
empréstimo já integrado ao sistema fonológico do Hunsrückisch – neste caso, die
Kalsoode. Tal se observa também em galicismos como die chamant ‘simpático’ (fr.
charmant). Como proceder nesses casos?
Seguindo os princípios fixados, poderíamos sugerir que os estrangeirismos seguem a
ortografia da língua de origem, e os empréstimos integrados as regras da escrita do
Hunsrückisch. A isso, porém é preciso somar a força do uso corrente e recorrente de
determinada forma. A prática ainda nem sempre tem sido tão conseqüente, como mostra
o título de um texto de W. H. Collischonn, na coluna Der Friedolin, intitulada Uff de
Calçode abgeritscht. Nos parece que a sistematização proposta pode ajudar como
orientação, embora se deva reconhecer que esses casos são fortemente regulados pela
regra do uso, a qual explica por exemplo grafias como Chor ‘coral’, ao invés de Kohr,
que causaria forte estranhamento no leitor. Nessa linha de raciocínio, é preciso levar em
conta também grafias como a do exemplo Calçode. A prática do uso recorrente
certamente irá regular esses casos.
Vale ressaltar que, na nossa concepção de escrita, entendemos que ao processo de
leitura de um texto subjaz um diálogo intertextual e intercultural, no qual o leitor
compara e associa conhecimentos e palavras. Ou seja, um texto em Hunsrückisch não
existe no vácuo, mas dialoga com outros textos inclusive textos escritos em português e
Hochdeutsch.
3 Vocalismo
3.1 Duração da vogal
No português, não há distinção entre vogais breves e longas, e conseqüentemente, não
há grafemas no português para marcar esta distinção, o que nos leva a recorrer a regras
do alemão. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3.1.1 Vogais breves
a) No alemão, vogal seguida de duas consoantes é pronunciada com duração breve.
Essa regra é seguida de maneira mais ou menos conseqüente pelos autores que
escrevem em Hunsrückisch:
“Wenn de alte Vetter Pitter sei gross Brill uff die Nas
gesetzt hot” ‘Quando o velho tio Pedro acavalava os
óculos sobre o nariz’ (RAMBO 2002, v. 1, p. 156)
“Donnaschtags Mittags hatt’a de Zug geholl bis Santa
Maria“ ‘Quintas-feiras à tarde pegava o trem até Santa
Maria’ (FLACH 2004, p. 102
“Die Kinna wolle, die Fraa will, unn de Mann will nix
demit wisse. Unn dann?“ ‘As crianças querem, a mulher
quer e o homem não quer saber de nada disso. E daí?’
(SPOHR, Familien-Kalender 2006, p. 130)
A regra aplica-se de modo geral também a exemplos monossilábicos muito
freqüentes, como uff, unn e honn. Talvez, aqui, o uso e a prática possam sugerir uma
forma simples.
b) Um caso particular de aplicação dessa regra são os exemplos decorrentes da adição de
uma vogal epentética, como em Milch ‘leite’, que se torna Millich, ou Berg var.
Berch ‘morro’, que fica Berrich. A duplicação da consoante, para marcar que a vogal
é breve, é usada pela maioria dos autores, como Spohr (p.ex. Kerrich, Familien-
Kalender 2006, p. 106) e principalmente Rambo (Kerrich, 2002, v. 2, p. 49;
Millichstross, 2002, v. 1, p. 81). Em nossa proposta, apesar da inclinação inicial para
a forma simples, por questões, decidiu-se por fim pela aplicação sistemática da regra
apresentada em a).
c) As vogais átonas não oferecem grandes problemas, a não ser a vogal /a/ em final de
sílaba, que em muitas palavras, e inclusive em nomes e sobrenomes (ex. Peter,
Schneider, Käfer), é grafada como <-er>. Aqui, parece haver bastante divergências.
Alguns autores chegam a misturar as formas <-er> e , muitas vezes no mesmo
texto. De modo geral, em Rambo, Rottmann e Gross predomina o emprego de <-er>,
enquanto que Spohr e Collischonn variam o emprego entre <-er> e . Exemplos:
imma ‘sempre’, awer var. awa ‘mas’, unsa var. unser ‘nosso’ (COLLISCHONN in:
Der Friedolin, 2006). Uma exceção é Flach, que emprega sistematicamente a grafia , inclusive no título de seu livro Unsa gut deitsch Kolonie.
Um problema maior aparece em contextos de sílaba tônica. Evidentemente que a
grafia de um pronome como Wer ‘quem’ tem de fato o efeito desejado, na medida em
que a sua pronúncia conhecida da escrita do padrão coincide com a do Hunsrückisch. O
que fazer, no entanto´, com palavras como mehr var. meh ‘mais’, Meer ‘mar’, mir var.
mea ‘a mim’ e a forma para o pronome pessoal mea var. mia ‘nós’.
Nossa opção é pelo emprego de <-er> em posição pós-tônica (p.ex. unser ‘nosso’,
Fenster ‘janela’, awer ‘mas’) e de em posição tônica (p.ex. Weat ‘valor’, heat
‘ouve’), ressalvadas as exceções fixadas pelo uso recorrente. A opção por <-er> se deve à
sua relação lógica com a formação do plural e da declinação de modo geral, onde aparece
um /r/. Exemplo: unsre Fenstre ‘nossas janelas’. Este argumento está em sintonia com
nosso propósito de fomentar, com esse trabalho, a reflexão e a educação lingüística em
torno da língua materna. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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d) Os mesmos argumentos usados para o caso anterior valem, em parte, também para a
grafia de (como em vor ‘antes, na frente’, Motor ‘motor’). Flach registra ,
seguindo a mesma tendência para <(e)a>. Nossa dúvida novamente recai sobre os
monossílabos, onde já existe a grafia <-ohr>, como em Rohr ‘cano’, Ohr ‘orelha’.
Estendemos essa escrita por analogia a contextos resultantes de mudança vocálica,
como em Johr ‘ano’, Hohr ‘cabelo’, wohr ‘verdadeiro’, com a mesma justificativa da
concordância sintática, p.ex. de plural, como em die Johre ‘esses anos’, onde aparece
o /r/. Essa grafia aparece também em Rambo e Rottmann:
“Et war eso em Määdche
Vunn neinzeh – zwanzig Johr,
Hatt, wie Keschdanieschilze,
So braune, glatt Hohr.”5
(ROTTMANN 1950, p. 144)
e) Por fim, o mesmo tratamento de d) pode ser dado aos segmentos (como em nur
var. nurre, nore ‘somente’, pur ‘puro’, Schnur ‘fio’, Natur ‘natureza’) e <-uhr> (p.ex.
Uhr ‚relógio, hora’, Fuhr ‚carreiro ao arar’).
3.1.2 Vogais longas
Para marcar que a vogal é longa, o alemão oferece duas grandes regras que são
seguidas pelos autores e também por nós:
a) Vogal diante de consoante simples pronuncia-se como longa, em oposição à regra a)
para vogais breves. Exemplos: Lewe ‘vida’ (compare-se Lewwer ‘fígado’), brige
‘brigar’ (compare-se com Bricke ‘pontes’).
Um problema sobre o qual muitas vezes não há muita clareza ocorre nos casos onde o
Hochdeutsch usa o grafema <ß>, que obviamente é excluído da escrita do Hunsrückisch.
Contudo, ao escrever palavras como alemão Straße ‘rua’ e groß ‘grande’ em
Hunsrückisch Stross ou gross, os autores violam a regra da vogal breve diante de duas
consoantes, deixando de marcar oposições como Stros ‘rua, estrada’ e Stross ‘garganta’.
Às vezes essa oposição vem acompanhada apenas de variação simples da mesma palavra,
como em Hoss var. Hos ‘calça’ e Hoos ‘coelho’. É verdade que o contexto auxilia na
compreensão, mas o exemplo mostra a perspicácia dos falantes em marcar a distinção, ou
através da duração (/o/ longo ou breve), ou através da abertura da vogal (/o/ longo
fechado ou aberto).
Outro problema decorre da espirantização de /g/, resultando em um som equivalente a
(v. abaixo no consonantismo). A vogal que antecede de modo geral é breve,
p.ex. em spreche ‘falar’ e lache ‘sorrir’. Com a espirantização, surgem exemplos como
Kuchel ‘bola’, Kuche ‘cuca’ ou Vochel var. Vohl ‘pássaro’, que pela regra seriam breves,
mas se pronunciam como vogais longas. Optamos aqui em manter simples, por
maior economia e por achar que não causa maiores problemas na leitura.
b) Vogal diante de pronuncia-se como longa. Exemplos: hohl ‘oco’ (compare-se
holl ‘pega’), Stihl ‘cadeiras’ (compare-se Stiel ‘cabo’ e still bleiwe ‘ficar parado, não
se mexer’), stehn ‘estar parado, em pé’ (compare-se Stenn ‘estrela’, ‘testa’).
Um problema dessa regra é que exige de quem escreve um grau de letramento e de
familiaridade com a escrita do alemão, como aliás o conjunto da proposta. Por outro
lado, para a leitura parece não haver essa mesma dificuldade. Como qualquer língua, uma www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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boa escrita pressupõe uma boa experiência de leitura. Outras opções, além das já citadas,
para marcar as vogais longas são encontradas na tradição. São as seguintes:
c) É comum o emprego do grafema para marcar /e:/ longo, sobretudo nos casos
em que existe a variante (tipo 3 do Hunsrückisch, mais próximo do padrão),
como em Steen var. Stein ‘pedra’ (compare-se stehn e Stenn acima), kleen var. klein.
Inclui-se aqui toda a série de verbos com sufixo –iere vs. –eere, como em telefoneere
var. telefoniere ‘telefonar’, schmeere var. schmiere ‘esfregar, untar’. Por fim, em
alguns casos onde o Hochdeutsch apresenta vogal longa arredondada /ö/, costuma
aparecer, nos textos em Hunsrückisch, a grafia com , p.ex. scheen ‘bonito’
(compare-se Hdt. schön). São poucos exemplos. A nossa posição é favorável ao uso
de que julgamos auxiliar na clareza sobretudo de monossílabos.
d) O emprego de , inclusive como variante de pronúncia, aparece generalizado.
Exemplos: lieb ‘querido’, Besemstiel ‘cabo de vassoura’, Lied ‘canção’, namoriere
var. namoreere ‘namorar’. Como no caso de /ö/, o grafema pode assumir a
mesma função para distinguir palavras, sobretudo monossilábicas, onde o
Hochdeutsch possui <ü>, p.ex. mied ‘cansado’ (compare-se Hdt. müde), Brieder
‘irmãos’ (compare-se Hdt. Brüder). Rambo, como alguns outros autores isolados,
emprega às vezes para esses casos ainda . Isso nos parece uma grafia
desnecessária, pois já está coberta pelo . Nos contextos onde segue , opta-se
por simples, pois o já marca a duração longa.
e) Talvez uma das maiores dificuldades na escrita do Hunsrückisch seja a grafia para /o/
aberto e longo. A maioria dos autores emprega, na verdade, a variante /a/ longo,
grafando-a muitas vezes com dois . Esta opção coincide de fato com a variante
do tipo 3 do Hunsrückisch, mais próximo do padrão; contrasta porém com o que, na
verdade, se fala com mais freqüência nas colônias, onde, como mostra o estudo de
Altenhofen (1996, v. mapas 26, 27, 28, 54, 56, 59, 69), a partir de um corpus
representativo de dez localidades situadas nas colônias novas e velhas do Rio Grande
do Sul, predomina o uso de /o/ longo e aberto no dia-a-dia. Como registrar esta
pronúncia grafematicamente?
A opção dos autores por ou , representando quase a maioria (p.ex. aarich
‘muito’, aach ‘também’, Taach ‘dia’, Fraa ‘mulher’, Gaade ‘jardim’, como em
Rottmann e Rambo), deve-se em parte a uma tradição anterior, que usava
prioritariamente , e à falta de um grafema mais apropriado para o som de /o/ longo
aberto. Nossa posição, respeitando o emprego de ou por quem fala o tipo 3 de
Hunsrückisch, foi encontrar um grafema para essa vogal /o/ aberta e longa. Nos
defrontamos com duas opções:
1. uso de para contrastar com fechado longo diante de consoante simples ou
. Exemplos: Galinhoode var. Galinhade ‘galinhada’, Goode var. Gaade ‘jardim,
horta’ (compare-se Kote ‘madrinhas’), além dos exemplos já mencionados oorich,
ooch, Tooch e Froo. O emprego de aparece, em alguns autores como Rambo,
Rottmann e Spohr, para /o/ fechado, em analogia ao que se pratica com ,
escrevendo p.ex. Schoof (Rottmann 1950, p. 147), noore (Spohr 2006, p. 106), Bloos
var. Blas ‘bexiga’ (RAMBO 2002, v. 1, p. 118).
2. uso de <ó>, valendo-se de um acento agudo, como no português. Esta opção aparece
esporadicamente, como em Collischonn. Cogitamos também dessa forma de grafia,
mas os exemplos nos pareceram muito esdrúxulos e estranhos ao público leitor não
acostumado: órich, óch, Fró, Tóch etc.
Após muita discussão, optamos pela forma , convencionando que esta sempre se
pronuncia como /o/ longo e aberto. A oposição é necessária para distinguir exemplos
como Rood ‘roda’ e rot ‘vermelho’, Boohn var. Bahn ‘cancha’ e Bohn ‘feijão’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3.2 Vogais desarredondadas
Diferentemente do Hochdeutsch, não ocorrem no Hunsrückisch as vogais
arredondadas /ö, ü, ä/, que são pronunciadas respectivamente como /e, i, e/. Optamos, por
isso, pelos grafemas e , salvaguardados os casos discutidos acima em relação à
e , quando a vogal for longa. Exemplos. here ‘ouvir’ (Hdt. hören), Glick ‘sorte’
(Hdt. Glück), Medche (Hdt. Mädchen), mais os casos em que a grafia (p.ex. bees
‘brabo’ [Hdt. böse]) ou (p.ex. mied ‘cansado’ [Hdt. müde]) ajuda a marcar a vogal
longa (v. 3.1.2 regras c) e d)). A literatura em Hunsrückisch ainda registra ocorrências de
<ä>, principalmente Rambo e Rottmann (p.ex. Männer ‘homens’, ao invés de Menner).
Tal como no caso de <ß> achamos que se trata de um grafema dispensável, além de ser
exclusivo do sistema ortográfico alemão, portanto estranho ao usuário que se alfabetizou
basicamente em português.
3.3 Ditongos
Além dos ditongos decrescentes /ea, oa, ua/ resultantes da vocalização de um /r/, já
tratados acima, destacam-se ainda os seguintes casos:
a) Opção pela grafia : presente em diversos sobrenomes, nos parece adequado optar
pela forma em lugar de , como fazem alguns, quando escrevem em
Hunsrückisch. Nos parece que basta convencionar que sempre se pronuncia /ai/,
exceto em estrangeirsimos do português (p.ex. de Pai ‘papai’) ou exemplos
consagrados pelo uso, como Mai ‘maio’, e que isso não representa maiores
problemas, além de didaticamente facilitar posteriormente no ensino de alemão-
padrão como língua estrangeira. Exemplos: Schneider ‘alfaiate’, fein ‘fino, chique’,
heit ‘hoje’, Leit ‘pessoas’, Ei var. Eu ‘ovo’, Feier ‘fogo’.
b) Opção pela grafia : Aplicam-se aqui os mesmos argumentos usados em relação
a . O emprego de poderia deixar dúvidas sobre a qualidade da vogal /o/, se
fechada ou aberta. Já a marcação da abertura com acento (<ói>) viola outros
princípios mencionados anteriormente. Os exemplos não são tão numerosos,
sobretudo considerando a sua substituição por nos tipos 1 e 2 do Hunsrückisch,
onde é visto como marca do alemão-padrão (feines Deitsch ‘alemão fino’). Exemplos:
Neumann ‘um sobrenome conhecido’, neun var. nein ‘nove’, Eu var. Ei ‘ovo’, zweu
var. zwei ‘dois’, Meu var. Mei ‘visita’, heut ‘hoje’, Leut ‘pessoas’.
c) A grafia de não oferece maiores problemas, dada a sua coincidência com o
português. Exemplos: Haus ‘casa’, Maus ‘camundongo’, raus ‘para fora’, Haut
‘pele’, Maul ‘boca’, haue ‘bater’ e também nos casos onde é variante do tipo 3 do
Hunsrückisch, mais próxima do Hochdeutsch (p.ex. Baum var. Boom ‘árvore’, auch var.
ooch ‘também’).
d) O mesmo vale para a grafia . Os exemplos, porém, são mais raros, muitas vezes
de empréstimos do português: Teekui ‘cuia de chimarrão’, Lui ‘abreviatura de Luís’.
4 Consonantismo
A grafia das consoantes segue, em nossa proposta, a tendência das regras do alemão,
por motivos que já foram explicitados. Os casos mais polêmicos além das vocalizações
de /r/ e da função de para alongar a vogal precedente já foram discutidos. Para os
seguintes contextos, trata-se de convencionar que “grafema x se pronuncia como x”, o
que para a leitura não traz grandes problemas, mas para a escrita exige certa
familiaridade com o texto escrito. É o caso dos pares e (Vater ‘pai’, fetter ‘mais
gorduroso’, Vetter ‘primo’), sobretudo no prefixo ver- que convencionamos com duas
variantes possíveis, ve- e fa- (p.ex. vestehn var. fastehn ‘compreender’). www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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O quadro final resume os grafemas utilizados e serve como uma espécie de guia.
Destes, cabe destacar os seguintes exemplos mais discutíveis:
a) tem sempre pronúncia oclusiva (p.ex. gille ‘valer’); quando é aspirado, escreve-se
como (p.ex. richtich ‘correto’, Kuchel ‘bola’).
b) , e pronunciam-se, é verdade, com certo ensurdecimento. Seus correlatos
surdos , e
acrescentam muitas vezes um traço de aspiração. Exemplos:
koote ‘jogar cartas’ vs. Goode ‘jardim, horta’, picke ‘picar’ vs. bicke ‘agachar-se’.
c) traduz a consoante velar (no fundo da garganta), como em jinger ‘mais jovem’,
salvo exceções em que coincide com , como em Bank ‘banco’.
d) preferimos e à escrita e , por resultar no mesmo efeito de
pronúncia pelo leitor, assim como também pela sua maior economia.
e) ocorre diante e depois das demais consoantes e de vogal: Schul ‘escola’, fosch
‘forte’, veschreiwe ‘receitar’, schneide ‘cortar’, schlicke ‘engolir’, schmeisse ‘atirar’.
f) representa dois sons inexistentes no português, seja palatal, como em ich ‘eu’,
richtich ‘correto’, schlecht ‘ruim’, seja velar, como em noch ‘ainda’, Tischtuch
‘toalha de mesa’, jachte ‘caçar’, Hietche ‘chapéuzinho’ (compare-se Hittche
‘cabaninha’)
g) casos de mera convenção, pelo menos para a leitura são as pronúncias de como /f/
(p.ex. Vater ‘pai’), e como /ts/ (p.ex. Zeitung ‘jornal’, Katz ‘gato’),
como /v/ (Wasser ‘água’, Wowwo ‘vovô’).
h) o mesmo vale para e , e (v. exemplos abaixo).
i) pode ser interpretado como , tornando a vogal precedente curta. Exemplo
Mick ‘mosca’.
5 Resumo da proposta de escrita para o Hunsrückisch
Resumindo a análise dos aspectos tipográficos, do vocalismo e do consonantismo que
compõem uma proposta de escrita do Hunsrückisch, podemos apresentar o seguinte
quadro em forma de exemplificação, pressupondo, é claro, que os exemplos falam por si
e que a sua implementação depende naturalmente de um treinamento prévio, e que a
prática e o uso irão determinar as adaptações ainda necessárias.
Aspectos tipográficos:
· substantivos com inicial maiúscula: das Fest ‘a festa’ (compare-se fest ‘preso,
fixo’), de Brige ‘briga’ (compare-se brige ‘brigar’).
· palavras compostas escritas junto: Blitzlamp ‘lanterna’, Dickkopp ‘cabeçudo’.
· escrita dos estrangeiros como na língua-fonte: die Calçada ‘a calçada’, de
Milho ‘o milho’, de Show ‘o show’, de Jorge ‘o Jorge’, die Corrupção ‘a
corrupção’.
· empréstimos integrados seguindo as regras do Hunsrückisch: die Kalsoode ‘a
calçada’, de Miljekolwe ‘a espiga de milho’, de Schosch ‘o Jorge’ (cf. francês
Georg), die Korruption ‘a corrupção’.
Vogais breves:
· vogal diante de duas consoantes: kalt ‘frio’, holl ‘pega’, Stenn ‘estrela, testa’,
Land ‘terra’, Stross ‘garganta’, Fest ‘festa’, lenne ‚aprender’, bringe ‚trazer’,
krinse ‚resmungar’.
· duplicação da consoante em contextos de adição de vogal epentética: Millich
‘leite’, Berrich ‘morro’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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· <-er> em final de palavra: immer ‘sempre’, Kinner ‘crianças’, Menner ‘homens’,
Fenster ‘janela’, Lehrer ‘professor’, Wasser ‘água’, Lewwer ‘fígado’, scheener
‘mais bonito’, hetter ‘mais alto, mais duro’.
Vogais longas:
· vogal diante de consoante simples pronuncia-se longa: gros ‘grande’, Stros ‘rua’,
ruwe ‘chamar’, Lewe ‘vida’, Bower ‘abóbora’, Buwe ‘rapazes’, Assude ‘açude’,
blumich ‘floreado’, brige ‘brigar’.
· vogal diante de pronuncia-se longa: hohl ‘oco’, stehn ‘estar em pé’, Kuhstall
‘estábulo’, Schuhbennel ‘cadarço do sapato’.
· diante de : Kuche ‘cuca’, kluch ‘inteligente’, Kuchel ‘bola’.
· fechado diante de : Vochel ‘pássaro’.
· (/i/ longo) lieb ‘querido’, Spiel ‘jogo’, mied ‘cansado’, Lied ‘canção’,
schmiere ‘passar em algo, esfregar’, telefoniere ‘telefonar’.
· (/e/ longo) kleen ‘pequeno’, scheen ‘bonito’, Reen var. Reeche ‘chuva’,
schmeere ‘esfregar’, telefoneere ‘telefonar’.
· (/o/ longo aberto) Goode ‘jardim’, Froo ‘mulher’, Tooch ‘dia’, woorem
‘quente’, Groos ‘grama’, soohn ‘dizer’ (exceção: prefixo on-, onmache ‘ligar’,
onbinne ‘amarrar’).
· (/a/ longo) Gaade ‘jardim’, Fraa ‘mulher’, Taach ‘dia’.
Ditongos:
· Schneider ‘alfaiate’, fein ‘fino’, heit ‘hoje’, Leit ‘pessoas’, Ei var. Eu ‘ovo’,
Feier ‘fogo’.
· Neumann ‘um sobrenome conhecido’, neun var. nein ‘nove’, Eu var. Ei
‘ovo’, zweu var. zwei ‘dois’, Meu ‘visita’, heut ‘hoje’, Leut ‘pessoas’.
· Haus ‘casa’, Maus ‘camundongo’, raus ‘para fora’, Haut ‘pele’, Maul
‘boca’, haue ‘bater’.
· Teekui ‘cuia de chimarrão’, Lui ‘abreviatura de Luís’.
· em sílaba tônica: Weat ‘valor’, mea ‘nós’, Tea ‘porta’, Schea ‘tesoura’
(exceções: leer ‘vazio’, Meer ‘mar’, Lehr ‘ensinamento’)
· <-ohr, -or> com pronúncia de /oa/: Rohr ‘cano, mangueira’, wohr ‘verdadeiro’,
Johr ‘ano’, Ohr ‘orelha’, Hohr ‘cabelo’, também vor ‘antes’.
· <-uhr, -ur> com pronúncia de /ua/: Uhr ‚relógio, hora’, Fuhr ‚carreiro ao arar’,
também pur ‘puro’, Natur ‘natureza’.
Consoantes:
· jedes Johr ‘todos os anos’, Jacke ‘casaco’, Jookob ‘Jakob’, Griensje
‘salsinha’, Bliesje ‘blusinha’, Miljehitt ‘paiol’.
· (em sílaba tônica) Zeitung ‘jornal’, Zimmer ‘quarto’, Zeich ‘roupa’, Zucker
‘açúcar’, zackre ‘arar’, vezehle ‘conversar’, zurick ‘de volta’, zwerich ‘diagonal, mal-
educado’, Zwiwwel ‘cebola’.
· (em posição pós-tônica) Katz ‘gato’, Hetz ‘coração’, Kotz ‘vômito’, spritze
‘respingar, vacinar’, kitzlich ‘coceguento’, putze ‘limpar’.
· sauwer ‘limpo’, Kees ‘queijo’, Kuss ‘beijo’, sammle ‘colecionar, juntar’,
passeere ‘acontecer’, glense ‘brilhar’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3
Optamos, aqui, pelo termo língua, quando consideramos seu status sistêmico e
independente, em contato com o português (língua como sistema fônico e gramatical); a
opção por dialeto ocorre, quando se destaca sua condição de subsistema do alemão e
sua vinculação histórica ao alemão como língua-teto (Überdachungsnorm). Veja-se
para tanto Coseriu (1982).
4
Esta estimativa, que se baseia em resultados do projeto BIRS (Bilingüismo no Rio
Gande do Sul – v. ALTENHOFEN 1990) e dos censos do IBGE de 1940 e 1950 (v.
MORTARA 1950), infelizmente os últimos que ainda inquiriram sobre outras “línguas,
além do português, faladas no lar,” deve ser tomada apenas como um indicador muito
geral. É praticamente impossível determinar um número preciso de falantes, ainda mais
considerando que os censos existentes referem-se às línguas pelo nome genérico, no
caso alemão, sem referência propriamente à variedade dialetal específica que de fato é
falada.
5
Tradução: ‘Era uma vez uma menina / de dezenove, vinte anos / que tinha cabelos
marrons e lisos / da cor da casca da castanha.’
Tipologia do Hunsrückisch falado no Rio Grande do Sul, segundo Altenhofen (1996).
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Mapa da variação de [a ] e [ ], segundo Altenhofen (1996).
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Fundamentos para uma escrita do
Hunsrückisch falado no Brasil
1
Cléo V. Altenhofen/Jaqueline Frey/Maria Lidiani Käfer/Mário S.
Klassmann/Gerson R. Neumann/Karen Pupp Spinassé
This paper discusses a foundation for writing Hunsrückisch as a German
immigrant language in contact with Brazilian Portuguese. This foundation
brings together the main conclusions obtained by the Group for the Studies
of Hunsrückisch Writing (Grupo de Estudos da Escrita do Hunsrückisch –
ESCRITHU). This group was formed at the Language Institute at the
Federal University of Rio Grande do Sul with the goal of proposing not
only a system of orthographic norms for a language that exists mostly just
in oral forms, but also to encourage research on and linguistic education for
speakers of this immigrant language. An already extant literature in
Hunsrückisch includes journal and magazine texts such as Sankt
Paulusblatt or the Brummbär-Kalendar, published between 1931 and 1935,
as well as texts by authors such as Rambo (2002 [1937-1961]), Gross
(2001), and Rottmann (1889 [1840]). From these texts various writing
formats, guidelines, and goals for an orthographic norm are analyzed, be
they for the written expression of the speakers or for useful instruments in
the transliteration of ethnotexts within the ALMA-H project (Linguistic-
Contactual Atlas of the German Minorities in the La Plata Basin:
Hunsrückisch), with which ESCRITHU collaborates.
Key words: immigrant minority language; Hunsrückisch; orthography; written
language; German teaching.
1 Introdução
Com as discussões em torno da criação, no âmbito do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
2
de um Livro das Línguas Brasileiras, tem crescido o interesse na organização social das cerca de 180 línguas indígenas e aproximadamente 30 línguas de imigração faladas ao lado do português, no Brasil. Como uma dessas línguas do tipo alóctone ou de imigração3 mais em evidência, ainda recaem sobre o Hunsrückisch uma série de tarefas. Uma dessas tarefas advém justamente da sua condição de variedade dialetal essencialmente falada, que não dispõe de uma prática e registro escrito sistematizados, função que até hoje tem sido coberta pelas normas cultas do Hochdeutsch e do português. Entende-se, assim, por que o falante de Hunsrückisch,
apesar de ser esta sua língua materna, sempre cogitou exclusivamente do português ou do
alemão-padrão para a função da escrita, a não ser em situações em que comumente aflora
o desejo de expressão da identidade e da cultura local, como nos texto humorísticos. Um
exemplo que ilustra a primazia da língua-padrão para a função escrita são os
Wandschoner (panos para proteger parede), dos quais não temos conhecimento de
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras, Avenida Bento Gonçalves, 9500
Caixa Postal 15.002, 91540-000 Porto Alegre, RS – Brasil. Telefone: (51) 3308-6790 Fax: (51)
3308-7303. E-mail: cvalten@pro.via-rs.com.br www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria L. Käfer; Mário Klassmann; Gerson R. Neumann; Karen Pupp Spinassé
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exemplar que apresente uma frase ou ditado no dialeto local, embora muitas vezes com
algum traço de coloquialidade.
Neste sentido, pode-se admitir que, ao longo da história do contato alemão-português,
tenha ocorrido uma espécie de diglossia, como os lingüistas chamam o uso de duas
variedades (alta e baixa) para funções sociais distintas. Isso significa, em outras palavras,
que se falava Hunsrückisch, porém se escrevia Hochdeutsch – a Schriftsprache, ou ainda
popularmente o “alemão gramatical” –, isto é, uma variedade aprendida na escola, com o
auxílio de uma gramática que sistematiza e normatiza essa escrita. Com a política de
nacionalização do Estado Novo (1937-1945) e a conseqüente repressão e retrocesso do
ensino de alemão na escola básica e fundamental, a função de língua escrita passou a ser
assumida pelo português.
Apesar dessa tendência geral, é possível identificar um conjunto de textos em
Hunsrückisch que permitem ao menos falar de uma “pequena” tradição escrita nessa
variedade. É verdade que o teor desses textos atende a um apelo fortemente humorístico
sobre um fundo metarreferencial que busca documentar e cultivar um modo de expressão
familiar e de cunho identitário. Poderíamos falar por isso da existência de etnotextos
escritos e de uma visão de mundo que reflete a cultura do grupo étnico em questão. O
que, no entanto, falta que impeça e justifique uma produção escrita mais significativa e
constante, onde antes só havia a oralidade? Constitui uma premissa deste estudo a
convicção de que cabe atribuir ao dialeto, antes de tudo, o mesmo status de língua a que
têm direito o alemão-padrão e o português enquanto línguas históricas com existência
oral e escrita. Isso implica naturalmente a criação de um instrumento inicial de
sistematização dessa escrita, como ponto de partida.
A idéia de fixar, ou melhor, normatizar uma escrita para o Hunsrückisch tem,
portanto, fundamento no próprio papel que a escrita exerce enquanto forma de expressão
e segue, como tal, princípios próprios observáveis, por exemplo, na história de todas as
grandes línguas internacionais. Todas essas línguas tiveram, em seus diversos estágios,
especialmente os iniciais, variações muito grandes da grafia de uma mesma palavra ou
lexema e, só com a prática e o trabalho de sitematização de estudiosos, foram
estabelecendo sua norma escrita como a conhecemos hoje.
O presente artigo reproduz, de certa forma, esse caminho clássico. Pretende-se, com a
consideração da “pequena” tradição, a que já se aludiu, dos estudos existentes, bem como
de uma série de princípios previamente fixados, propor um conjunto de normas que
oriente uma escrita sistematizada do Hunsrückisch. Para tanto, criou-se no Instituto de
Letras da UFRGS o Grupo de Estudos da Escrita do Hunsrückisch (ESCRITHU) que
tem por objetivo não apenas criar esse sistema de normas, mas também refletir e
fomentar o estudo e educação lingüísticas dessa variedade que, segundo estimativas de
pesquisas, conta com cerca de 500.000 falantes só no Rio Grande do Sul.
4
O grupo
ESCRITHU, constituído em sua maioria por falantes de Hunsrückisch e pesquisadores
dessa variedade de contato com o português, insere-se no projeto ALMA-H (Atlas
Lingüístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata: Hunsrückisch), como
sub-projeto deste (v. ALTENHOFEN 2004).
2 Princípios de ortografia: por onde orientar a escrita do
Hunsrückisch?
Antes de fixar ou optar por qualquer proposta de registro escrito de uma língua como
o Hunsrückisch, é preciso perguntar sobre os objetivos a que se destina tal escrita. Neste
particular, podemos identificar diferentes pontos de vista, que refletem uma série de
dilemas, entre os quais se pode destacar:
1.°) o dilema entre “o ideal fonográfico (uma escrita que refletisse regularmente uma
forma idealizada de pronunciar) e o princípio ideográfico (que opta por manter a
etimologia, a notação das palavras em sua língua original)” (MORAIS 2003, p. 11). www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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2.°) o dilema entre considerar a vinculação histórica com a matriz lingüística original e o
desejo de se afastar e diferenciar dessa origem, em virtude de uma identidade nova.
3.°) finalidades de leitura (receptiva) e de produçâo escrita (autora).
4.°) a finalidade estritamente comunicativa e prática versus o propósito didático-
pedagógico, com o intuito de desenvolver a reflexão e educação sobre a língua;
5.°) definição de um público-alvo fechado e restrito aos usuários da língua grafada
membros da comunidade lingüística ou público-alvo aberto a não-falantes ou membros
de outras comunidades lingüísticas.
O primeiro aspecto levanta, segundo Morais (2003), questões que vão muito além da
mera codificação de relações som-grafema. Se simplesmente seguíssemos a tese da
“escrita fonética” (=escrever como se pronuncia), que seus defensores acreditam ser mais
simples, teríamos ao final mais de uma língua escrita, pois é diferente a natureza
interpretativa do som pelos diferentes falantes, assim como também variam as pronúncias
na produçâo oral dos falantes. Conforme enfatiza Morais (2003, p. 13), “a perfeiçâo
alfabética é uma ilusão”, seja qual caminho se adote, e “sempre as soluções encontradas
terão sido opções, soluções arbitradas que se transformaram em convenção, lei”.
Neste sentido, o que o grupo ESCRITHU está propondo vai muito no sentido de fixar
“normas ortográficas” por onde se possa sistematizar a escrita do Hunsrückisch.
Evidentemente, essas normas seguem determinados objetivos e opções mais imediatos.
Mas será a recepção pelos usuários e a prática de escrita e leitura pelos falantes e demais
interessados que darão legitimidade a essas normas de grafia, sugerindo inclusive as
alterações que couberem. Por esta razão, na tentativa de harmonizar os diferentes opostos
dos dilemas apontados acima, fixamos os seguintes critérios e objetivos:
a) Entende-se a escrita, acima de tudo, como convenção e regra sistemática que, como
qualquer sistema novo que se fixe, por mais simples que seja, precisa ser aprendida
(neste sentido, importa o resultado que a leitura de um segmento produz oralmente;
p.ex. se fixarmos que Johr ‘ano’ se lê como Rohr ‘cano’, a representação grafemática
do segmento é lida como tal, e não de outra forma, seguindo outro paradigma).
b) A proposta não se direciona apenas a falantes de Hunsrückisch, mas pretende ser
compreensível também a membros falantes de outras variedades do alemão (uma
escrita puramente fonética baseada no português excluiria o público não-falante
nativo e aumentaria o vácuo entre o Hunsrückisch e o Hochdeutsch, não permitindo
por exemplo que um professor de alemão fizesse comparações relevantes, para fins
didáticos).
c) Distingue-se entre as habilidades de escrita e de leitura de textos produzidos de acordo
com as normas fixadas (a primeira certamente exige um grau de letramento e portanto
de familiaridade com o alemão escrito maior).
d) Vale ressaltar que o Hunsrückisch é entendido como “língua” distinta do Hochdeutsch
(alemão-padrão), embora se vincule a ele historicamente e por semelhança lingüística.
Quando se adota no Hunsrückisch traços da escrita semelhantes à do Hochdeutsch,
não se está de modo algum adequando ou adaptando a forma, mas sim apenas
adotando uma convenção que atesta uma coincidência de formas independentes,
apesar da semelhança.
e) Não se considera que o pré-conhecimento de elementos gráficos do Hochdeutsch
esteja totalmente ausente. Pelo contrário, partimos do princípio de que os falantes de
Hunsrückisch possuem, naturalmente em grau variado, alguma noção prévia de
convenções da escrita do alemão, desde sobrenomes (Schneider, Müller, Neumann, www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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Käfer etc.) ou inscrições de topônimos ou festas observáveis no meio social, até o
acesso a publicações locais em alemão (Familien-Kalender, Sankt-Paulus-Blatt etc.).
f) A proposta tem por isso objetivo didático, no sentido de que visa não somente a
instrumentalizar o falante e a nós próprios para o registro do Hunsrückisch, como
também fomentar a educação lingüística dos falantes sobre o papel e funcionamento
de sua língua materna e de uma língua de modo geral.
g) Reconhecem-se pelo menos três grandes variantes do Hunsrückisch, partindo da
tipologia de Altenhofen (1996, mapa 6, v. anexo), a saber:
1. Hunsrückisch com traços [+ moselanos] (o tipo com maior número de traços dialetais
que o distanciam do Hochdeutsch): p.ex. falantes de dat/wat (predomina na maioria
dos autores, como RAMBO [1937-1961] e BRUMMBÄR-KALENDER [1931-
1935]);
2. Hunsrückisch com traços [+ renanos] (segundo o estudo de Altenhofen (1996), o tipo
mais falado): p.ex. falantes de das/was (mais comum em SPOHR [vários] e em
GROSS 2001);
3. Hunsrückisch atenuado, com traços mais próximos do padrão: p.ex. falantes de /ai/ em
lugar de /e:/, como em Bein, (mais comum em FLACH 2004).
O ESCRITHU respeita cada uma dessas variantes como legítimas e toma como regra
que cada autor utilize a sua variante materna, porém com as mesmas normas de escrita de
cada som específico.
h) A proposta destina-se inicialmente às finalidades internas do Grupo, mas, conforme já se
disse, será sua prática e utilização externa, através de uma série de testes e atividades
que, eventualmente, podem ser realizadas (p.ex. workshops, publicação de textos
etc.), que lhe conferirá a eficácia desejada.
i) É uma das intenções do ESCRITHU elaborar posteriormente um Dicionário trilíngüe
Hunsrückisch-Hochdeutsch-Brasilianisch (compreende-se o dicionário igualmente
como instrumento de auxílio para consulta de dúvidas sobre grafia, como comumente
fazemos até mesmo no português e no alemão-padrão).
j) A escrita proposta servirá de base para a transliteração de dados, sobretudo etnotextos,
coletados pelo ALMA-H na rede de pontos do projeto (ao todo, 38).
k) A presente proposta de escrita considera a tradição pré-existente e a vinculação
histórica e lingüística ao alemão, de onde proveio (critério genético). Do ponto de
vista da gestão da língua pela comunidade de fala, ao contrário, reconhece-se o
status de brasilidade da língua de imigração Hunsrickisch, com língua brasileira que
adquiriu sua autonomia e traços particulares no novo meio.
Segue a análise e discussão de alguns problemas e opções envolvendo diferentes
aspectos passíveis de sistematização no registro escrito de sons do vocalismo e
consonantismo, bem como de aspectos tipográficos e formais. Casos mais problemáticos
e polêmicos, para os quais não existe ainda consenso, serão resolvidos através da prática
de uso das normas ortográficas pelos diferentes usuários.
2 Aspectos tipográficos
a) Substantivos com inicial maiúscula ou minúscula
Uma das primeiras decisões que cabe tomar envolve o registro da inicial dos
substantivos. Poderia alguém alegar que o uso geral de inicial minúscula, como no
português, facilitaria a escrita. Outros, porém, como por exemplo aprendizes de alemão
têm apontado a vantagem de, na leitura, reconhecer e identificar mais facilmente os
componentes da frase, na medida em que o substantivo aparece discriminado pela inicial www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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maiúscula. Não nos parece problemático optar por esta última forma, principalmente se
pensarmos no caráter pedagógico que queremos imprimir ao trabalho com a escrita do
Hunsrückisch. Além disso, tal decisão é respaldada quase unanimemente na tradição
(vejam-se RAMBO [1937-1961], FLACH 2004, GROSS 2001, MÜLLER 1996,
BRUMMBÄR-KALENDER [1931-1935], COLLISCHONN [vários], dentre outros).
b) Palavras compostas
O mesmo argumento da compreensibilidade do escrito vale para as palavras
compostas que, a nosso ver, deveriam respeitar a forma aglutinada, por constituírem
unidades semânticas próprias (p.ex. Reenscherrem ‘guarda-chuva’, e não Reen scherrem,
Tischtuch ‘toalha de mesa’, e não Tisch tuch). A forma separada pode dar margem a
dúvidas e ambigüidades, como p.ex. em spritz bier ‘Spritzbier, a cerveja caseira’.
c) Empréstimos do português: empréstimos integrados ou estrangeirismos
No caso dos empréstimos do português, maciçamente encontrados no Hunsrückisch,
colocam-se dificuldades em exemplos, onde a ortografia do português difere
substancialmente da do sistema de referência do alemão e, por conhecimento do
português, tendêssemos à ortografia da língua de origem. Um exemplo que ilustra esse
impasse é o lusismo calçada, que no Hunsrückisch pode aparecer como estrangeirismo
(quando mantém a mesma forma da língua-fonte) – neste caso, die Calçada – ou como
empréstimo já integrado ao sistema fonológico do Hunsrückisch – neste caso, die
Kalsoode. Tal se observa também em galicismos como die chamant ‘simpático’ (fr.
charmant). Como proceder nesses casos?
Seguindo os princípios fixados, poderíamos sugerir que os estrangeirismos seguem a
ortografia da língua de origem, e os empréstimos integrados as regras da escrita do
Hunsrückisch. A isso, porém é preciso somar a força do uso corrente e recorrente de
determinada forma. A prática ainda nem sempre tem sido tão conseqüente, como mostra
o título de um texto de W. H. Collischonn, na coluna Der Friedolin, intitulada Uff de
Calçode abgeritscht. Nos parece que a sistematização proposta pode ajudar como
orientação, embora se deva reconhecer que esses casos são fortemente regulados pela
regra do uso, a qual explica por exemplo grafias como Chor ‘coral’, ao invés de Kohr,
que causaria forte estranhamento no leitor. Nessa linha de raciocínio, é preciso levar em
conta também grafias como a do exemplo Calçode. A prática do uso recorrente
certamente irá regular esses casos.
Vale ressaltar que, na nossa concepção de escrita, entendemos que ao processo de
leitura de um texto subjaz um diálogo intertextual e intercultural, no qual o leitor
compara e associa conhecimentos e palavras. Ou seja, um texto em Hunsrückisch não
existe no vácuo, mas dialoga com outros textos inclusive textos escritos em português e
Hochdeutsch.
3 Vocalismo
3.1 Duração da vogal
No português, não há distinção entre vogais breves e longas, e conseqüentemente, não
há grafemas no português para marcar esta distinção, o que nos leva a recorrer a regras
do alemão. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3.1.1 Vogais breves
a) No alemão, vogal seguida de duas consoantes é pronunciada com duração breve.
Essa regra é seguida de maneira mais ou menos conseqüente pelos autores que
escrevem em Hunsrückisch:
“Wenn de alte Vetter Pitter sei gross Brill uff die Nas
gesetzt hot” ‘Quando o velho tio Pedro acavalava os
óculos sobre o nariz’ (RAMBO 2002, v. 1, p. 156)
“Donnaschtags Mittags hatt’a de Zug geholl bis Santa
Maria“ ‘Quintas-feiras à tarde pegava o trem até Santa
Maria’ (FLACH 2004, p. 102
“Die Kinna wolle, die Fraa will, unn de Mann will nix
demit wisse. Unn dann?“ ‘As crianças querem, a mulher
quer e o homem não quer saber de nada disso. E daí?’
(SPOHR, Familien-Kalender 2006, p. 130)
A regra aplica-se de modo geral também a exemplos monossilábicos muito
freqüentes, como uff, unn e honn. Talvez, aqui, o uso e a prática possam sugerir uma
forma simples.
b) Um caso particular de aplicação dessa regra são os exemplos decorrentes da adição de
uma vogal epentética, como em Milch ‘leite’, que se torna Millich, ou Berg var.
Berch ‘morro’, que fica Berrich. A duplicação da consoante, para marcar que a vogal
é breve, é usada pela maioria dos autores, como Spohr (p.ex. Kerrich, Familien-
Kalender 2006, p. 106) e principalmente Rambo (Kerrich, 2002, v. 2, p. 49;
Millichstross, 2002, v. 1, p. 81). Em nossa proposta, apesar da inclinação inicial para
a forma simples, por questões, decidiu-se por fim pela aplicação sistemática da regra
apresentada em a).
c) As vogais átonas não oferecem grandes problemas, a não ser a vogal /a/ em final de
sílaba, que em muitas palavras, e inclusive em nomes e sobrenomes (ex. Peter,
Schneider, Käfer), é grafada como <-er>. Aqui, parece haver bastante divergências.
Alguns autores chegam a misturar as formas <-er> e , muitas vezes no mesmo
texto. De modo geral, em Rambo, Rottmann e Gross predomina o emprego de <-er>,
enquanto que Spohr e Collischonn variam o emprego entre <-er> e . Exemplos:
imma ‘sempre’, awer var. awa ‘mas’, unsa var. unser ‘nosso’ (COLLISCHONN in:
Der Friedolin, 2006). Uma exceção é Flach, que emprega sistematicamente a grafia , inclusive no título de seu livro Unsa gut deitsch Kolonie.
Um problema maior aparece em contextos de sílaba tônica. Evidentemente que a
grafia de um pronome como Wer ‘quem’ tem de fato o efeito desejado, na medida em
que a sua pronúncia conhecida da escrita do padrão coincide com a do Hunsrückisch. O
que fazer, no entanto´, com palavras como mehr var. meh ‘mais’, Meer ‘mar’, mir var.
mea ‘a mim’ e a forma para o pronome pessoal mea var. mia ‘nós’.
Nossa opção é pelo emprego de <-er> em posição pós-tônica (p.ex. unser ‘nosso’,
Fenster ‘janela’, awer ‘mas’) e de em posição tônica (p.ex. Weat ‘valor’, heat
‘ouve’), ressalvadas as exceções fixadas pelo uso recorrente. A opção por <-er> se deve à
sua relação lógica com a formação do plural e da declinação de modo geral, onde aparece
um /r/. Exemplo: unsre Fenstre ‘nossas janelas’. Este argumento está em sintonia com
nosso propósito de fomentar, com esse trabalho, a reflexão e a educação lingüística em
torno da língua materna. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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d) Os mesmos argumentos usados para o caso anterior valem, em parte, também para a
grafia de (como em vor ‘antes, na frente’, Motor ‘motor’). Flach registra ,
seguindo a mesma tendência para <(e)a>. Nossa dúvida novamente recai sobre os
monossílabos, onde já existe a grafia <-ohr>, como em Rohr ‘cano’, Ohr ‘orelha’.
Estendemos essa escrita por analogia a contextos resultantes de mudança vocálica,
como em Johr ‘ano’, Hohr ‘cabelo’, wohr ‘verdadeiro’, com a mesma justificativa da
concordância sintática, p.ex. de plural, como em die Johre ‘esses anos’, onde aparece
o /r/. Essa grafia aparece também em Rambo e Rottmann:
“Et war eso em Määdche
Vunn neinzeh – zwanzig Johr,
Hatt, wie Keschdanieschilze,
So braune, glatt Hohr.”5
(ROTTMANN 1950, p. 144)
e) Por fim, o mesmo tratamento de d) pode ser dado aos segmentos (como em nur
var. nurre, nore ‘somente’, pur ‘puro’, Schnur ‘fio’, Natur ‘natureza’) e <-uhr> (p.ex.
Uhr ‚relógio, hora’, Fuhr ‚carreiro ao arar’).
3.1.2 Vogais longas
Para marcar que a vogal é longa, o alemão oferece duas grandes regras que são
seguidas pelos autores e também por nós:
a) Vogal diante de consoante simples pronuncia-se como longa, em oposição à regra a)
para vogais breves. Exemplos: Lewe ‘vida’ (compare-se Lewwer ‘fígado’), brige
‘brigar’ (compare-se com Bricke ‘pontes’).
Um problema sobre o qual muitas vezes não há muita clareza ocorre nos casos onde o
Hochdeutsch usa o grafema <ß>, que obviamente é excluído da escrita do Hunsrückisch.
Contudo, ao escrever palavras como alemão Straße ‘rua’ e groß ‘grande’ em
Hunsrückisch Stross ou gross, os autores violam a regra da vogal breve diante de duas
consoantes, deixando de marcar oposições como Stros ‘rua, estrada’ e Stross ‘garganta’.
Às vezes essa oposição vem acompanhada apenas de variação simples da mesma palavra,
como em Hoss var. Hos ‘calça’ e Hoos ‘coelho’. É verdade que o contexto auxilia na
compreensão, mas o exemplo mostra a perspicácia dos falantes em marcar a distinção, ou
através da duração (/o/ longo ou breve), ou através da abertura da vogal (/o/ longo
fechado ou aberto).
Outro problema decorre da espirantização de /g/, resultando em um som equivalente a
(v. abaixo no consonantismo). A vogal que antecede de modo geral é breve,
p.ex. em spreche ‘falar’ e lache ‘sorrir’. Com a espirantização, surgem exemplos como
Kuchel ‘bola’, Kuche ‘cuca’ ou Vochel var. Vohl ‘pássaro’, que pela regra seriam breves,
mas se pronunciam como vogais longas. Optamos aqui em manter simples, por
maior economia e por achar que não causa maiores problemas na leitura.
b) Vogal diante de pronuncia-se como longa. Exemplos: hohl ‘oco’ (compare-se
holl ‘pega’), Stihl ‘cadeiras’ (compare-se Stiel ‘cabo’ e still bleiwe ‘ficar parado, não
se mexer’), stehn ‘estar parado, em pé’ (compare-se Stenn ‘estrela’, ‘testa’).
Um problema dessa regra é que exige de quem escreve um grau de letramento e de
familiaridade com a escrita do alemão, como aliás o conjunto da proposta. Por outro
lado, para a leitura parece não haver essa mesma dificuldade. Como qualquer língua, uma www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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boa escrita pressupõe uma boa experiência de leitura. Outras opções, além das já citadas,
para marcar as vogais longas são encontradas na tradição. São as seguintes:
c) É comum o emprego do grafema para marcar /e:/ longo, sobretudo nos casos
em que existe a variante (tipo 3 do Hunsrückisch, mais próximo do padrão),
como em Steen var. Stein ‘pedra’ (compare-se stehn e Stenn acima), kleen var. klein.
Inclui-se aqui toda a série de verbos com sufixo –iere vs. –eere, como em telefoneere
var. telefoniere ‘telefonar’, schmeere var. schmiere ‘esfregar, untar’. Por fim, em
alguns casos onde o Hochdeutsch apresenta vogal longa arredondada /ö/, costuma
aparecer, nos textos em Hunsrückisch, a grafia com , p.ex. scheen ‘bonito’
(compare-se Hdt. schön). São poucos exemplos. A nossa posição é favorável ao uso
de que julgamos auxiliar na clareza sobretudo de monossílabos.
d) O emprego de , inclusive como variante de pronúncia, aparece generalizado.
Exemplos: lieb ‘querido’, Besemstiel ‘cabo de vassoura’, Lied ‘canção’, namoriere
var. namoreere ‘namorar’. Como no caso de /ö/, o grafema pode assumir a
mesma função para distinguir palavras, sobretudo monossilábicas, onde o
Hochdeutsch possui <ü>, p.ex. mied ‘cansado’ (compare-se Hdt. müde), Brieder
‘irmãos’ (compare-se Hdt. Brüder). Rambo, como alguns outros autores isolados,
emprega às vezes para esses casos ainda . Isso nos parece uma grafia
desnecessária, pois já está coberta pelo . Nos contextos onde segue , opta-se
por simples, pois o já marca a duração longa.
e) Talvez uma das maiores dificuldades na escrita do Hunsrückisch seja a grafia para /o/
aberto e longo. A maioria dos autores emprega, na verdade, a variante /a/ longo,
grafando-a muitas vezes com dois . Esta opção coincide de fato com a variante
do tipo 3 do Hunsrückisch, mais próximo do padrão; contrasta porém com o que, na
verdade, se fala com mais freqüência nas colônias, onde, como mostra o estudo de
Altenhofen (1996, v. mapas 26, 27, 28, 54, 56, 59, 69), a partir de um corpus
representativo de dez localidades situadas nas colônias novas e velhas do Rio Grande
do Sul, predomina o uso de /o/ longo e aberto no dia-a-dia. Como registrar esta
pronúncia grafematicamente?
A opção dos autores por ou , representando quase a maioria (p.ex. aarich
‘muito’, aach ‘também’, Taach ‘dia’, Fraa ‘mulher’, Gaade ‘jardim’, como em
Rottmann e Rambo), deve-se em parte a uma tradição anterior, que usava
prioritariamente , e à falta de um grafema mais apropriado para o som de /o/ longo
aberto. Nossa posição, respeitando o emprego de ou por quem fala o tipo 3 de
Hunsrückisch, foi encontrar um grafema para essa vogal /o/ aberta e longa. Nos
defrontamos com duas opções:
1. uso de para contrastar com fechado longo diante de consoante simples ou
. Exemplos: Galinhoode var. Galinhade ‘galinhada’, Goode var. Gaade ‘jardim,
horta’ (compare-se Kote ‘madrinhas’), além dos exemplos já mencionados oorich,
ooch, Tooch e Froo. O emprego de aparece, em alguns autores como Rambo,
Rottmann e Spohr, para /o/ fechado, em analogia ao que se pratica com ,
escrevendo p.ex. Schoof (Rottmann 1950, p. 147), noore (Spohr 2006, p. 106), Bloos
var. Blas ‘bexiga’ (RAMBO 2002, v. 1, p. 118).
2. uso de <ó>, valendo-se de um acento agudo, como no português. Esta opção aparece
esporadicamente, como em Collischonn. Cogitamos também dessa forma de grafia,
mas os exemplos nos pareceram muito esdrúxulos e estranhos ao público leitor não
acostumado: órich, óch, Fró, Tóch etc.
Após muita discussão, optamos pela forma , convencionando que esta sempre se
pronuncia como /o/ longo e aberto. A oposição é necessária para distinguir exemplos
como Rood ‘roda’ e rot ‘vermelho’, Boohn var. Bahn ‘cancha’ e Bohn ‘feijão’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3.2 Vogais desarredondadas
Diferentemente do Hochdeutsch, não ocorrem no Hunsrückisch as vogais
arredondadas /ö, ü, ä/, que são pronunciadas respectivamente como /e, i, e/. Optamos, por
isso, pelos grafemas e , salvaguardados os casos discutidos acima em relação à
e , quando a vogal for longa. Exemplos. here ‘ouvir’ (Hdt. hören), Glick ‘sorte’
(Hdt. Glück), Medche (Hdt. Mädchen), mais os casos em que a grafia (p.ex. bees
‘brabo’ [Hdt. böse]) ou (p.ex. mied ‘cansado’ [Hdt. müde]) ajuda a marcar a vogal
longa (v. 3.1.2 regras c) e d)). A literatura em Hunsrückisch ainda registra ocorrências de
<ä>, principalmente Rambo e Rottmann (p.ex. Männer ‘homens’, ao invés de Menner).
Tal como no caso de <ß> achamos que se trata de um grafema dispensável, além de ser
exclusivo do sistema ortográfico alemão, portanto estranho ao usuário que se alfabetizou
basicamente em português.
3.3 Ditongos
Além dos ditongos decrescentes /ea, oa, ua/ resultantes da vocalização de um /r/, já
tratados acima, destacam-se ainda os seguintes casos:
a) Opção pela grafia : presente em diversos sobrenomes, nos parece adequado optar
pela forma em lugar de , como fazem alguns, quando escrevem em
Hunsrückisch. Nos parece que basta convencionar que sempre se pronuncia /ai/,
exceto em estrangeirsimos do português (p.ex. de Pai ‘papai’) ou exemplos
consagrados pelo uso, como Mai ‘maio’, e que isso não representa maiores
problemas, além de didaticamente facilitar posteriormente no ensino de alemão-
padrão como língua estrangeira. Exemplos: Schneider ‘alfaiate’, fein ‘fino, chique’,
heit ‘hoje’, Leit ‘pessoas’, Ei var. Eu ‘ovo’, Feier ‘fogo’.
b) Opção pela grafia : Aplicam-se aqui os mesmos argumentos usados em relação
a . O emprego de poderia deixar dúvidas sobre a qualidade da vogal /o/, se
fechada ou aberta. Já a marcação da abertura com acento (<ói>) viola outros
princípios mencionados anteriormente. Os exemplos não são tão numerosos,
sobretudo considerando a sua substituição por nos tipos 1 e 2 do Hunsrückisch,
onde é visto como marca do alemão-padrão (feines Deitsch ‘alemão fino’). Exemplos:
Neumann ‘um sobrenome conhecido’, neun var. nein ‘nove’, Eu var. Ei ‘ovo’, zweu
var. zwei ‘dois’, Meu var. Mei ‘visita’, heut ‘hoje’, Leut ‘pessoas’.
c) A grafia de não oferece maiores problemas, dada a sua coincidência com o
português. Exemplos: Haus ‘casa’, Maus ‘camundongo’, raus ‘para fora’, Haut
‘pele’, Maul ‘boca’, haue ‘bater’ e também nos casos onde é variante do tipo 3 do
Hunsrückisch, mais próxima do Hochdeutsch (p.ex. Baum var. Boom ‘árvore’, auch var.
ooch ‘também’).
d) O mesmo vale para a grafia . Os exemplos, porém, são mais raros, muitas vezes
de empréstimos do português: Teekui ‘cuia de chimarrão’, Lui ‘abreviatura de Luís’.
4 Consonantismo
A grafia das consoantes segue, em nossa proposta, a tendência das regras do alemão,
por motivos que já foram explicitados. Os casos mais polêmicos além das vocalizações
de /r/ e da função de para alongar a vogal precedente já foram discutidos. Para os
seguintes contextos, trata-se de convencionar que “grafema x se pronuncia como x”, o
que para a leitura não traz grandes problemas, mas para a escrita exige certa
familiaridade com o texto escrito. É o caso dos pares e (Vater ‘pai’, fetter ‘mais
gorduroso’, Vetter ‘primo’), sobretudo no prefixo ver- que convencionamos com duas
variantes possíveis, ve- e fa- (p.ex. vestehn var. fastehn ‘compreender’). www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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O quadro final resume os grafemas utilizados e serve como uma espécie de guia.
Destes, cabe destacar os seguintes exemplos mais discutíveis:
a) tem sempre pronúncia oclusiva (p.ex. gille ‘valer’); quando é aspirado, escreve-se
como (p.ex. richtich ‘correto’, Kuchel ‘bola’).
b) , e pronunciam-se, é verdade, com certo ensurdecimento. Seus correlatos
surdos , e
acrescentam muitas vezes um traço de aspiração. Exemplos:
koote ‘jogar cartas’ vs. Goode ‘jardim, horta’, picke ‘picar’ vs. bicke ‘agachar-se’.
c) traduz a consoante velar (no fundo da garganta), como em jinger ‘mais jovem’,
salvo exceções em que coincide com , como em Bank ‘banco’.
d) preferimos e à escrita e , por resultar no mesmo efeito de
pronúncia pelo leitor, assim como também pela sua maior economia.
e) ocorre diante e depois das demais consoantes e de vogal: Schul ‘escola’, fosch
‘forte’, veschreiwe ‘receitar’, schneide ‘cortar’, schlicke ‘engolir’, schmeisse ‘atirar’.
f) representa dois sons inexistentes no português, seja palatal, como em ich ‘eu’,
richtich ‘correto’, schlecht ‘ruim’, seja velar, como em noch ‘ainda’, Tischtuch
‘toalha de mesa’, jachte ‘caçar’, Hietche ‘chapéuzinho’ (compare-se Hittche
‘cabaninha’)
g) casos de mera convenção, pelo menos para a leitura são as pronúncias de como /f/
(p.ex. Vater ‘pai’), e como /ts/ (p.ex. Zeitung ‘jornal’, Katz ‘gato’),
como /v/ (Wasser ‘água’, Wowwo ‘vovô’).
h) o mesmo vale para e , e (v. exemplos abaixo).
i) pode ser interpretado como , tornando a vogal precedente curta. Exemplo
Mick ‘mosca’.
5 Resumo da proposta de escrita para o Hunsrückisch
Resumindo a análise dos aspectos tipográficos, do vocalismo e do consonantismo que
compõem uma proposta de escrita do Hunsrückisch, podemos apresentar o seguinte
quadro em forma de exemplificação, pressupondo, é claro, que os exemplos falam por si
e que a sua implementação depende naturalmente de um treinamento prévio, e que a
prática e o uso irão determinar as adaptações ainda necessárias.
Aspectos tipográficos:
· substantivos com inicial maiúscula: das Fest ‘a festa’ (compare-se fest ‘preso,
fixo’), de Brige ‘briga’ (compare-se brige ‘brigar’).
· palavras compostas escritas junto: Blitzlamp ‘lanterna’, Dickkopp ‘cabeçudo’.
· escrita dos estrangeiros como na língua-fonte: die Calçada ‘a calçada’, de
Milho ‘o milho’, de Show ‘o show’, de Jorge ‘o Jorge’, die Corrupção ‘a
corrupção’.
· empréstimos integrados seguindo as regras do Hunsrückisch: die Kalsoode ‘a
calçada’, de Miljekolwe ‘a espiga de milho’, de Schosch ‘o Jorge’ (cf. francês
Georg), die Korruption ‘a corrupção’.
Vogais breves:
· vogal diante de duas consoantes: kalt ‘frio’, holl ‘pega’, Stenn ‘estrela, testa’,
Land ‘terra’, Stross ‘garganta’, Fest ‘festa’, lenne ‚aprender’, bringe ‚trazer’,
krinse ‚resmungar’.
· duplicação da consoante em contextos de adição de vogal epentética: Millich
‘leite’, Berrich ‘morro’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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· <-er> em final de palavra: immer ‘sempre’, Kinner ‘crianças’, Menner ‘homens’,
Fenster ‘janela’, Lehrer ‘professor’, Wasser ‘água’, Lewwer ‘fígado’, scheener
‘mais bonito’, hetter ‘mais alto, mais duro’.
Vogais longas:
· vogal diante de consoante simples pronuncia-se longa: gros ‘grande’, Stros ‘rua’,
ruwe ‘chamar’, Lewe ‘vida’, Bower ‘abóbora’, Buwe ‘rapazes’, Assude ‘açude’,
blumich ‘floreado’, brige ‘brigar’.
· vogal diante de pronuncia-se longa: hohl ‘oco’, stehn ‘estar em pé’, Kuhstall
‘estábulo’, Schuhbennel ‘cadarço do sapato’.
· diante de : Kuche ‘cuca’, kluch ‘inteligente’, Kuchel ‘bola’.
· fechado diante de : Vochel ‘pássaro’.
· (/i/ longo) lieb ‘querido’, Spiel ‘jogo’, mied ‘cansado’, Lied ‘canção’,
schmiere ‘passar em algo, esfregar’, telefoniere ‘telefonar’.
· (/e/ longo) kleen ‘pequeno’, scheen ‘bonito’, Reen var. Reeche ‘chuva’,
schmeere ‘esfregar’, telefoneere ‘telefonar’.
· (/o/ longo aberto) Goode ‘jardim’, Froo ‘mulher’, Tooch ‘dia’, woorem
‘quente’, Groos ‘grama’, soohn ‘dizer’ (exceção: prefixo on-, onmache ‘ligar’,
onbinne ‘amarrar’).
· (/a/ longo) Gaade ‘jardim’, Fraa ‘mulher’, Taach ‘dia’.
Ditongos:
· Schneider ‘alfaiate’, fein ‘fino’, heit ‘hoje’, Leit ‘pessoas’, Ei var. Eu ‘ovo’,
Feier ‘fogo’.
· Neumann ‘um sobrenome conhecido’, neun var. nein ‘nove’, Eu var. Ei
‘ovo’, zweu var. zwei ‘dois’, Meu ‘visita’, heut ‘hoje’, Leut ‘pessoas’.
· Haus ‘casa’, Maus ‘camundongo’, raus ‘para fora’, Haut ‘pele’, Maul
‘boca’, haue ‘bater’.
· Teekui ‘cuia de chimarrão’, Lui ‘abreviatura de Luís’.
· em sílaba tônica: Weat ‘valor’, mea ‘nós’, Tea ‘porta’, Schea ‘tesoura’
(exceções: leer ‘vazio’, Meer ‘mar’, Lehr ‘ensinamento’)
· <-ohr, -or> com pronúncia de /oa/: Rohr ‘cano, mangueira’, wohr ‘verdadeiro’,
Johr ‘ano’, Ohr ‘orelha’, Hohr ‘cabelo’, também vor ‘antes’.
· <-uhr, -ur> com pronúncia de /ua/: Uhr ‚relógio, hora’, Fuhr ‚carreiro ao arar’,
também pur ‘puro’, Natur ‘natureza’.
Consoantes:
· jedes Johr ‘todos os anos’, Jacke ‘casaco’, Jookob ‘Jakob’, Griensje
‘salsinha’, Bliesje ‘blusinha’, Miljehitt ‘paiol’.
· (em sílaba tônica) Zeitung ‘jornal’, Zimmer ‘quarto’, Zeich ‘roupa’, Zucker
‘açúcar’, zackre ‘arar’, vezehle ‘conversar’, zurick ‘de volta’, zwerich ‘diagonal, mal-
educado’, Zwiwwel ‘cebola’.
· (em posição pós-tônica) Katz ‘gato’, Hetz ‘coração’, Kotz ‘vômito’, spritze
‘respingar, vacinar’, kitzlich ‘coceguento’, putze ‘limpar’.
· sauwer ‘limpo’, Kees ‘queijo’, Kuss ‘beijo’, sammle ‘colecionar, juntar’,
passeere ‘acontecer’, glense ‘brilhar’. www.revistacontingentia.com | Cléo V. Altenhofen; Jaqueline Frey; Maria
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3
Optamos, aqui, pelo termo língua, quando consideramos seu status sistêmico e
independente, em contato com o português (língua como sistema fônico e gramatical); a
opção por dialeto ocorre, quando se destaca sua condição de subsistema do alemão e
sua vinculação histórica ao alemão como língua-teto (Überdachungsnorm). Veja-se
para tanto Coseriu (1982).
4
Esta estimativa, que se baseia em resultados do projeto BIRS (Bilingüismo no Rio
Gande do Sul – v. ALTENHOFEN 1990) e dos censos do IBGE de 1940 e 1950 (v.
MORTARA 1950), infelizmente os últimos que ainda inquiriram sobre outras “línguas,
além do português, faladas no lar,” deve ser tomada apenas como um indicador muito
geral. É praticamente impossível determinar um número preciso de falantes, ainda mais
considerando que os censos existentes referem-se às línguas pelo nome genérico, no
caso alemão, sem referência propriamente à variedade dialetal específica que de fato é
falada.
5
Tradução: ‘Era uma vez uma menina / de dezenove, vinte anos / que tinha cabelos
marrons e lisos / da cor da casca da castanha.’
Tipologia do Hunsrückisch falado no Rio Grande do Sul, segundo Altenhofen (1996).
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Mapa da variação de [a ] e [ ], segundo Altenhofen (1996).
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